“Carta a um jovem pobre”
São José do Rio Pardo, abril de 1975
Meu caro jovem amigo.
Eu me sinto adolescente, sentindo o seu sentir.
E sinto o se desespero neste desabrochar da vida. Situações difíceis e tristes fazem-no trilhar as mesmas veredas espinhosas que trilhei… É preciso prosseguir. Nem tudo são flores no caminho da vida.
Temos muito em comum: razão desta minha carta.
Como a sua, minha vida foi também amarga. Como você e os seus, eu e os meus também sofremos. Mas houve momentos de felicidade intensa, de beleza, de amor, dentro da enorme pobreza. Momentos inesquecíveis…
Sei que na sua idade, meu bom amigo, você não me compreenderá. Ficarei imensamente feliz se alguma coisa ficar a corroer e a impedir tanta ânsia para alcançar a riqueza e os valores materiais ilusórios de nossa sociedade.
Trabalhávamos todos. Dia e noite, minha mãe pedalava, sem maledicências, a máquina de costura. Trocava seu suor sem lágrimas pelos parcos mil-réis consumidos na alimentação pobre e sadia, elaborada pela minha imaginosa avó.
Meu pai, meu pobre pai, era um homem inteligente, muito inteligente. Trabalhava com perfeição nos seus vários ofícios. Era exímio clarinetista… Trabalhava e ajudava a todos, quase sempre sem remuneração, pelo prazer de servir… Deixou-se levar pelas falsas ilusões da vida. Bebia… Sofria… Fazia sofrer. Nós adolescentes, não tínhamos a capacidade de analisar sua doença e as causas de seu infortúnio…
Como você, jovem amigo, eu também tive vergonha de meu pai… Triste recordação! Daria tudo para fazer voltar o tempo e poder compreende-lo, abraça-lo, ampara-lo.
Eu estudava e trabalhava, como você, amigo, mas consegui terminar o curso ginasial. O Colegial, com seus cursos Clássico e Científico estava fora dos meus planos, pois jamais eu poderia continuar estudos fora de São José. Consegui uma bolsa de estudos no primeiro ano da Escola Normal Municipal, logo depois oficializada.
Quando cursava o último ano da Escola Normal, meu pai morreu, moço ainda, e acabado, antes dos cinquenta anos. Fomos juntar nossas economias…. Nada tínhamos, nem para comprar o mais miserável caixão. Vi meu pai insepulto. Esta imagem acompanhou-me pela vida… Meus parentes cotizara-se. Para a eternidade foi meu pai num pobre caixão. Teve o agasalho da terra comum, igualadora dos homens, e uma sepultura.
Terminei a Escola Normal. Continuei a trabalhar na Ideal, lecionando no Curso Primário.
Um sorriso começou a esboçar-se na vida…
Um dia, alguém me disse: “O que vocês pensam ser?… Uns miseráveis”!… Nem um caixão vocês puderam comprar para o seu pai!”.
Todos choramos juntos, como se a pobreza fosse uma nódoa irremovível do viver.
Naquele instante, eu jurei que haveria de vencer, de ser rico… Vi, no dinheiro, o valor maior de nossa sociedade…
E lutei. E venci. Consegui ter aquilo que a sociedade de consumo impõe como valores a todos: carro, casa, ouro, objetos de arte, longas viagens, economias, futilidades…
Tive tudo, amigo. E esse tudo não preencheu o vazio da vida.
Comecei então a perceber que a riqueza que eu jurei ter não trazia a paz e a felicidade. Era ilusão… Trazia apenas a preocupação, o afastamento, a desumanização, a competição, a escravidão e o individualismo exagerado.
E fiquei a procurar a verdadeira riqueza. Concluí tarde que ela não deveria vir de fora, do mundo exterior. Ela deveria nascer dentro da gente, cm Deus, conhecendo-se, com o amor e respeito ao próximo, com a paz interior, com a aceitação das individualidades, com a compreensão dos desajustes, com o estender das mãos a quem se debilita, com a palavra amiga, com a imaginação aberta, com o viver crescente, com o redescobrir do mundo… Ainda procuro e quero encontrar toda esta riqueza que leva à paz e à felicidade.
Meu jovem amigo, eu me sinto adolescente sentindo o seu sentir. Estou feliz em poder relatar-lhe nesta carta uma vida difícil, da qual, como você, eu me envergonhei.
Lute, amigo! Conheça-se! Respeite os homens: defenda-os. Ame seus pais: compreenda-os, abrace-os, não deixando que a dor da omissão se arraste pelos seus dias… Estude. Aprenda a observar a sábia natureza e a vida que o cerca. Tente levantar alguém que cai e ensine-lhe o caminho… E não se esqueça, amigo, de que o dinheiro e a riqueza material que você pretende, não se completa sem a paz e as outras riquezas que dormem em você.
Temos muito em comum, amigo.
Não me tome como exemplo, pois tenho todos os defeitos e as fraquezas dos homens deste mundo.
Quis apenas relatar-lhe uma vivência amarga e superada. Quis dizer-lhe de uma experiência que me anima a mostrar caminhos…
A vida tem belezas e cores, mesmo na miséria. Viva-a!
Seja feliz, amigo, com Deus e com o seu próximo.
Meu abraço fraterno./Rodolpho.
(Crônica publicada no livro “Meu Gambá, outras crônicas e histórias”, de 2003, de autoria do professor Rodolpho José Del Guerra)
Muito obrigado pela essa carta. Deixo minhas lágrimas ao ler essa carta.