Com apenas 5% da visão ela está realizando um sonho: ser pianista
Reportagem e texto: Natália Tiezzi Manetta
O sorriso no rosto e o bilho no olhar não deixam transparecer sua visão limitadíssima de apenas 5%. Mas, a retinose pigmentar, doença que a acomete desde que nasceu, não a impediu de realizar seu maior sonho: ser uma grande pianista.
Quem teve a oportunidade de ver a jovem Daiane da Silva Vieira, uma rio-pardense de 20 anos, tocar no último domingo junto à Orquestra Jazz Sinfônica de São João da Boa Vista, se emocionou. E ela não pode ver as lágrimas que arrancou da plateia ao tocar “Only Time”, uma belíssima canção de Ênia, mas sentiu, aliás sentimento é o que não falta para a mocinha, que está fazendo da música seu melhor instrumento para falar e ouvir a Deus, bem como “espalhar emoção, amor e esperança ao mundo”, como ela mesma declarou.
Porém, até o chamamento para compor a Jazz Sinfônica o caminho de Daiane foi árduo: bullying, portas fechadas, dificuldades financeiras. Desanimar ela até desanimou, mas nunca desistiu do dom que Deus lhe deu: das pequenas mãos e dos ágeis dedos nascem sons que a jovem aprimora durante horas por dia dedicadas aos estudos, que estão sendo possíveis devido à generosidade de um empresário que acreditou em seu talento.
Conheçam um pouco mais sobre a pequena e notável Daiane na entrevista abaixo.
Daiane, como e quando começou seu interesse pela música?
Acho que desde que nasci. Gosto de música desde criança e, por acaso, minha mãe me presenteou com um tecladinho de brinquedo. Aprendi as primeiras notas nele. Acho que foi amor à primeira vista, ou melhor, à primeira escuta!
E como aprendeu a tocar? Sua deficiência visual atrapalhou seu aprendizado?
Aprendi a tocar sozinha, ‘de ouvido’, pois tenho uma audição muito apurada. Aprendi a contar o tempo da música na cabeça, com o raciocínio, inclusive as escalas musicais, já que nunca consegui ler uma partitura.
Com quantos anos decidiu estudar piano?
Aos 11 anos comecei a ter aulas com um professor aqui em São José, mas que infelizmente não pode continuar. Aprendi o básico com ele, mas não pude continuar meus estudos, pois minha família não tinha condições financeiras de me matricular em uma escola particular de música.
É verdade que sofreu bullying?
Sim, muito, inclusive de outras crianças que não acreditavam que eu não enxergava, já que aparentemente minha visão parece normal, meus olhos não mostram o real problema que tenho. Além disso as pessoas não sabem lidar com o deficiente visual e não levo isso como maldade. Falta conhecimento a elas. Porém, mesmo diante dos obstáculos consegui estudar e agradeço muito aos professores da E.E. “Dr. João Gabriel Ribeiro” pela paciência que tiveram comigo durante o tempo em que estudei por lá.
Neste tempo que ficou sem estudar música você treinava em algum lugar?
Aprendi muito tocando na igreja que frequento. Temos até uma pequena banda por lá. Durante esse tempo não parei de tocar na igreja e isso me ajudou muito.
Como surgiu a oportunidade de estudar piano novamente?
Foi através do senhor Marcus Guardabaxo, proprietário da empresa Rioplastic. Meu pai, José Maria da Silva Vieira trabalhou durante muitos anos na empresa e minha mãe, Regiane Aparecida da Silva Vieira, presta serviços na casa da mãe do senhor Marcus, que contou para ela um pouco da minha história. Isso acabou chegando ao empresário. Foi então que ele ofereceu investir nos meus estudos no piano.
E como o Maestro Agenor passou a fazer parte de sua história na música?
O Maestro Agenor foi mais uma pessoa enviada por Deus a cruzar meu caminho. Na verdade o senhor Marcus, que tem muita amizade com ele, o procurou para saber qual era o melhor professor de piano da região para que pudesse me dar aulas. Foi então que o Maestro indicou o professor Gustavo Merida. E, assim, há um ano faço aulas de piano na Espaço Merida, em São João da Boa Vista.
Qual foi a sua sensação ao tocar pela 1ª vez junto com a Jazz Sinfônica?
Eu estava muito nervosa. O Maestro Agenor vem acompanhando meu trabalho desde que ingressei na escola de música em São João, mas o convite para participar da orquestra foi uma surpresa. Não pude ver o público, mas o senti em cada aplauso, grito… Foi uma emoção muito grande para mim, ainda mais tocando essa música tão maravilhosa, aliás, gosto de tocar músicas românticas!
O que você almeja para o futuro?
Continuar estudando muito, ainda mais agora que fui presenteada com o teclado, também oferecido pela Rioplastic. Também gostaria de estudar canto e me tornar uma grande pianista e até uma maestrina. Depois de todos os obstáculos que já enfrentei sei que tudo é possível.
O que a música significa em sua vida?
A música é tudo em minha vida. Eu ouço música até no simples canto de um pássaro. Quanto mais eu aprendo sobre ela, mais eu quero aprender! Música é uma coisa de Deus, uma forma Dele se comunicar conosco.
Você é uma pessoa de muita fé. Acredita que ela te ajudou a superar desafios?
Minha fé está comigo em todos os momentos, bons ou ruins. Tudo isso que está acontecendo em minha vida é Deus falando comigo. Ele tem um propósito para cada um. Acredito que Ele escolhe os fracos para confundir os sábios.
Que mensagem você deixaria a todos que, como você, têm um sonho na vida?
Que tudo é possível àquele que Crê. Primeiramente temos que acreditar em nós mesmos, seja lá qual for o nosso sonho. Depois é se esforçar, ter vontade, determinação, não importa a dificuldade, inclusive para as pessoas que, como eu, possuem algum tipo de deficiência. A vida não teria sua graça se tudo fosse fácil. Digo isso por experiência própria! Quando aliamos nossa fé ao esforço e acreditamos em nós mesmos os sonhos se tornam realidade!