“Dona Betinha”: Quando o dom e a vontade de trabalhar superam todos os obstáculos
Ao lado da filha, Tatiana, ela, que é cabeleireira há 30 anos, são as proprietárias do Studio Karanova
Reportagem e Texto: Natália Tiezzi Manetta
Muitas vezes as pessoas tem um dom, mas não têm ânimo de coloca-lo em prática. E aí sobram lamentos e faltam aquela vontade e persistência que é necessário ter em qualquer área profissional. No caso de dona Odete Campos Pereira da Silva o seu dom, aliado a uma invejável vontade de trabalhar superaram todos os inúmeros obstáculos que essa gentil senhora, de 58 anos, passou para poder se tornar o que sempre almejou desde quando tinha 11 anos: cabeleireira!
“Quando criança sempre acompanhei minha mãe ao salão de beleza e era muito curiosa. Gostava daquele cheiro de spray de cabelo e pensava comigo ‘um dia ainda vou ter um salão com esse cheiro’”, contou Odete.
Ela, que sempre teve uma condição social muito tranquila na casa dos pais, casou-se aos 16 anos e viu sua vida mudar completamente, principalmente após o nascimento dos 3 filhos. “Meu marido ganhava o suficiente para colocar comida em casa, mas eu queria poder oferecer uma condição um pouco melhor aos meus filhos. Foi então que comecei a fazer unhas aqui pelo bairro mesmo. Visitava minhas clientes e muitas vezes o pagamento era em forma de bolo, rosca, ovos, roupinhas usadas para as crianças”, disse.
Porém, como a renda que conseguia como manicure era pouca, o marido não apoiava. “Hoje, mais madura, até entendo a opinião que ele tinha sobre isso. Confesso que tive que enfrenta-lo, assim como outros inúmeros obstáculos para realizar meu sonho: ter meu salãozinho de beleza”.
No início da década de 90, com o país passando por uma crise no governo, o marido de dona Odete viu seus serviços diminuírem. “E nós com três crianças para sustentar… Foi então que decidi que estava na hora de ajuda-lo de alguma forma. Sabia fazer unhas, mas queria mesmo era aprender cortar cabelo. E surgiu a oportunidade de fazer um curso, porém eu não tinha dinheiro nem para comprar o material necessário. Quem me ajudou foi minha comadre, que comprou-o e eu paguei-a com cortes de cabelo para sua família”, recordou.
Com a coragem e a força que sempre lhe foram bem peculiares, Odete decidiu que chegara o momento de abrir seu salão. “Mas, onde? Como? Com que dinheiro iria comprar o que precisava? E abri na minha própria casa, num espaço que acabou se transformando no modesto, mas sempre limpinho, ‘Salão da Betinha’. Lembro-me que pedi um pente para uma vizinha; espelho e uma pequena mesinha para minha sogra e fiz uma cortina com uma manta do meu filho. Até o algodão para fazer unhas utilizei de um antigo edredon de minha mãe, que desfiz… Pude contar com muitas pessoas que me ajudaram, seja como clientes, seja me proporcionando uma palavra de ânimo, pois, sim, eu desanimei muitas vezes, mas não desisti”.
TAL MÃE, TAL FILHA: AGREGANDO CONHECIMENTO
Quando Odete fazia cursos de cabeleireira, antes e depois de abrir o salão, ela sempre teve a companhia inseparavável da filha, Tatiana, que, aos poucos, também começou a mostrar interesse pela área profissional da mãe. “Desde os 13, 14 anos ajudava minha mãe no salão. Fazia uma escova aqui, lavava um cabelo ali, mas nunca pensei que pudesse, realmente, ser a sua companheira de trabalho”, destacou Tatiana.
O tempo passou e Tatiana começou a trabalhar em uma loja de cosméticos aqui a cidade e o gosto pelas tinturas e técnicas capilares só aumentava. “Fiquei quatro anos nesta loja e depois fui tentar a sorte em Ribeirão Preto, em uma loja que sempre sonhei em trabalhar. E foi lá que realmente enxerguei que o meu caminho também era o salão de beleza, porém, nas áreas de maquiagem e técnicas para os cabelos. Tive a oportunidade de participar de inúmeros workshops, fui promotora de vendas de várias marcas, além do contato com cabeleireiros, inclusive uma delas, que me ofereci para ajudar no salão só para colocar em prática o que já sabia”, explicou Tatiana.
Neste ínterim, Tatiana engravidou, teve sua filha e optou por voltar a São José. “Mas, por conta da criança não tive condições de voltar a trabalhar no comércio. Queria estar mais próxima dela e surgiu a idéia de trabalhar com minha mãe no salão. Naquela época, em 2007, o pequeno espaço já estava pequeno e eu voltei de Ribeirão com uma vontade enorme de colocar em prática tudo o que aprendi”, contou.
E o que era o quarto do irmão de Tatiana acabou se transformando no novo salão da Betinha, mais amplo, reformado com o apoio do esposo e do Banco do Povo. “A idéia do financiamento foi do meu marido, que nos falou sobre o Banco do Povo. E lá fomos, minha mãe e eu, tentar a sorte novamente. Conseguimos R$ 5 mil, que foram investidos na aquisição de mobiliário e acessórios para o novo salão. A reforma ficou por conta do meu pai, que até nos surpreendeu e realmente nos auxiliou em coisas que não tínhamos nem noção de como fazer”, destacou Tatiana.
A busca por conhecimento e novas tendências em cabelo e maquiagem sempre fizeram parte da vida de mãe e filha. “Acredito que temos que nos aprimorar constantemente, seja qual for o trabalho. Passamos dois anos fazendo inúmeros cursos em Ribeirão Preto, Poços de Caldas e São Paulo e sempre quando temos oportunidade lá estamos nós. Conhecimento nunca é demais e é uma coisa que ninguém tira da gente”, observou Odete.
DE ‘SALÃO DA BETINHA’ PARA O STÚDIO KARANOVA
O investimento de tempo e dinheiro em cursos, a escolha em trabalhar sempre com produtos de qualidade, a atenção dispensada e a satisfação dos clientes fizeram com que o ‘Salão da Betinha’ naturalmente progredisse. “O espaço, mesmo reformado, se tornou pequeno para a demanda que passamos a atender, principalmente após a vinda da Tatiana para o salão. Ela agregou conhecimento e nós duas formamos uma bela dupla profissional”, afirmou Odete.
Assim, há um ano, o Studio Karanova foi inaugurado. “O nome Karanova surgiu a partir de uma loja que trabalhei em Ribeirão Preto, que encerrou suas atividades. Aqui o espaço é bem mais amplo, adaptamos cada cantinho para receber da melhor maneira possível nossas clientes, sempre com aquele acolhimento, que se tornou uma marca registrada do salão”, destacou Tatiana.
Hoje, o Karanova oferece colorimetria, mechas, entre outras químicas, designer de sobrancelhas, manicure e pedicure, além de ser especializado em penteados e maquiagens para noivas, madrinhas, formandas e daminhas. “Atendemos sempre com horário marcado, respeitando esse horário, além de proporcionarmos testes de penteados para noivas”, disse Tatiana.
E, embora em outro espaço, o atendimento e o clima acolhedor de Odete e Tatiana continuam os mesmos do modesto salão de antigamente. “Nosso principal objetivo não é o financeiro, embora todos nós precisemos de dinheiro para sobreviver e investir no salão, mas sim que nossas clientes saiam daqui satisfeitas, com a autoestima mais elevada. E isso, muitas vezes, vai muito além do próprio cabelo ou maquiagem. Sempre ouvimos as clientes, levamos uma mensagem positiva, assim como elas também nos trazem muitas coisas boas. Uma palavra pode salvar o dia ou a vida de uma pessoa. Sou testemunha disso. Aqui atendemos a todas com muita atenção e temos clientes de todos os bairros da cidade”. afirmou Odete.
Questionada se em algum momento pensou que pudesse ter um salão tão bonito e aconchegante como agora, Odete foi enfática. Imaginar não imaginei, mas eu queria, sempre tive vontade de aprender e aperfeiçoar esse dom que Deus me deu e eu tive que colocar em prática em um dos momentos mais difíceis da minha vida”.
Sobre o que a mãe representa para Tatiana, ela, com lágrimas nos olhos, assim respondeu. “Ela é minha força. Quantas vezes já desanimei de tudo isso, mas aí ela chega, com aquela garra e determinação e fala sutilmente: ‘tudo passa – os momentos bons, mas também os ruins’. ‘Desanimar sim, desistir nunca’. ‘Se hoje não foi muito bom, amanhã é outro dia e será’. Assim é minha mãe… Assim é minha fortaleza chamada dona Odete”, concluiu.