Profª. Mariana Panizza: “Fiz Magistério por apoio e influência de minha saudosa avó”
Entrevista e texto: Natália Tiezzi
Dom, talento, dedicação ou persistência? Qual será a ‘receita’ para o êxito em uma profissão desvalorizada e até discriminada no Brasil? Para a professora Mariana Panizza Ferreira da Silva Locatelli, além das quatro caracetrísticas citadas, o grande segredo é amar a profissão e coloca-la em prática cotidianamente com muito entusiasmo, talvez o mesmo de quando um mestre entra na sala de aula pela primeira vez.
Em entrevista ao www.minhasaojose.com.br, ela, que atua há 22 anos na Educação, ministra aulas na Rede Municipal e é coordenadora de um colégio particular, onde também já lecionou, contou um pouco de sua trajetória em sala de aula, além de momentos que a marcaram ao longo dessas mais de duas décadas de profissão.
Mariana é muito querida pelos alunos, pais e colegas de Magistério não apenas pelo amplo conhecimento que possui e que aprimora diariamente, mas pelo respeito com que trata a todos, sempre buscando o diálogo nas mais diversas situações. Parceria é outro lema da professora, que ela pode exercer ainda mais neste ano atípico devido à Pandemia por meio da página Dicas Pedagógicas, promovida pela Secretaria Municipal de Educação para auxiliar os mestres a trocarem e elaborarem conteúdos às aulas on line.
E, ao contrário de muitas pessoas que já sabem o que querem na adolescência, com Mariana foi um pouco diferente, mas não menos especial. O incentivo ao Magistério aconteceu através de uma pessoa muito querida, a avó Anita, que ela relembrou com muito carinho.
Para aqueles que ainda desconhecem o valor de tão nobre profissão, Mariana assim a descreveu. “O magistério é esperança, é a porta para novos caminhos e é a certeza de que podemos sempre fazer a diferença! Tenho orgulho em ser professora!”. Confira, abaixo, a matéria na íntegra.
Mariana, como começou sua vida escolar como aluna e depois no Magistério?
Iniciei a minha vida escolar aos 2 anos, em um colégio religioso na cidade de Mococa, o Colégio Maria Imaculada. De lá, trago boas lembranças, as quais serviram de inspiração para seguir a carreira de professora. Lembro-me até hoje do cheirinho de jatobá que vinha das árvores do parquinho, do barulho do balanço que eu adorava brincar e da minha querida professora do “prézinho”, a madre Dieni. Concluindo o “prézinho”, fui para a antiga “1º série” do Ensino Fundamental, na escola estadual Oscar Villares. Lá, fiquei até cursar o magistério, quando fui presidente do grêmio estudantil. Tive ótimos professores e fiz grandes amigos (alguns dos quais ainda mantenho contato). A partir desse momento, já comecei a fazer estágio em uma escola particular de Mococa onde, mais tarde, tive minha primeira experiência como professora em sala de aula. Junto ao magistério, também me formei técnica em contabilidade, porém os números não me atraíram tanto quanto estar em uma sala de aula. Como o tempo entre o estágio e os dois cursos que eu frequentava era muito curto, uma tia, a Tia Bel, preparava marmitas para almoço e jantar. Dessa forma, eu conseguia focar nos estudos e no estágio, pois foi justo neste ano, de estudar dois período e trabalhar em um terceiro, que perdi a minha avó, meu porto seguro. Ingressei no curso de Pedagogia no ano de 2001 na Fafem (Faculdade de Mococa) e logo optei pela especialização em educação infantil pela qual sou apaixonada. Ali me encontrei. Tive ajuda de uma prima (Liliana) e uma tia (Vera) com os custos do curso, pois estudava dois períodos e o que recebia no estágio não era suficiente para custear a faculdade. Sou muito grata pela ajuda que recebi. Após a conclusão do curso de pedagogia, em 2014, fiz o curso de psicopedagogia aqui em São José, na Feuc. No ano de 2015, cursei pós-graduação em Coordenação pedagógica/ Organização do trabalho pedagógico, concluída no ano de 2016. Atualmente estou cursando uma pós-graduação em Neuropsicopedagogia. Estou na fase final de produção do TCC como tema “Deficiência Intelectual”. Entre a faculdade de pedagogia e os cursos de pós-graduação, fiz (e ainda faço) e também ministrei vários cursos de aperfeiçoamento, pois acredito sempre na formação contínua do professor.
O que a fez optar pelo Magistério? Foi influência de familiares, amigos?
Fui criada pela minha mãe e pela minha avó. Minha avó sempre cuidou de mim por minha mãe trabalhar fora e, desde pequena, ouvia me dizer: faça o magistério, toda mulher precisa ter a sua carreira e independência! Acredito que minha avó, Anita, tenha sido minha grande incentivadora. Apesar de pouco estudo, ela sempre me estimulava a estudar, a ler e adorava contar boas histórias. Foi com ela que aprendi um pouquinho dessa arte que me encanta! Além de seu incentivo, em minha trajetória acadêmica, tive muitos professores que serviram de inspiração e as boas lembranças vividas no primeiro colégio que estudei também colaboraram muito para isso. Hoje, tenho a certeza de que escolhi a profissão certa. Quando entro em sala de aula, esqueço “o mundo” aqui de fora e tento levar o meu melhor aos alunos, transmitindo o que sei e aprendendo muito com eles. Em cada novo ano, nova sala, novos alunos, novas histórias e novos aprendizados. E como amo estar ali!
Em quais instituições já trabalhou e onde trabalha atualmente (se puder citar os cargos nos locais atuais, te agradeço!)
Assim que ingressei no magistério, com meus 15 anos de idade, já iniciei um estágio na Escola Castelo, em Mococa. Sou muito grata por me terem aberto as portas. Foi lá que iniciei todo meu aprendizado prático de sala de aula. Auxiliava a professora Adriana Cruz em uma sala de maternal. Hoje, as crianças desta turminha estão na faculdade e acompanho alguns deles pelas redes sociais. Fiquei lá por dois anos. No segundo ano em que eu estava lá, foi-me atribuída uma licença maternidade, era uma sala de Jardim I. Foi bastante desafiador. Cumprida a licença, consegui estágio na rede municipal de Ensino de Mococa. Na Rede Municipal de Mococa fiquei por alguns anos. Através de processo seletivo, passei por várias creches e Emebs. Posso afirmar que meu crescimento profissional se deu na Creche Olynto Rehder. Lá, recebi todo carinho da equipe de professores e da Diretora Eraceli Codogno, que me acolheram de uma forma ímpar, contribuindo muito para minha formação. Foi nessa creche que meu gosto por contar histórias floresceu. Amava preparar fantoches, sentar com as crianças em roda e viajar por este mundo com eles. Lá, tive a oportunidade de ministrar aos professores da Rede Municipal de Mococa duas oficinas de Contação de histórias, junto a uma outra colega professora. Esse trabalho ganhou visibilidade e acabei recebendo convites para ministrar as oficinas na APAE da cidade e também no Colégio Maria Imaculada. Todas essas experiências foram contribuindo ainda mais para o meu crescimento. No ano de 2007, me casei. Meu marido, rio-pardense e também professor, levou meu currículo em uma escola que ele trabalhava em Rio Pardo, o colégio Unigrau. Fiz a entrevista e, no ano seguinte, iniciei meu trabalho junto a essa instituição com uma turminha de Maternal I (crianças de 2 anos de idade). Minha primeira turminha em São José do Rio Pardo! Como marcou minha vida. Hoje eles estão no 9º Ano. No Unigrau fui muito bem acolhida. Passei por diferentes salas, contei muitas histórias, ensinei e aprendi demais. Hoje, continuo trabalhando neste colégio, porém agora como coordenadora pedagógica. Esse foi outro desafio na minha carreira profissional pelo qual me apaixonei e sou muito feliz! No ano de 2015, após prestar concurso público, ingressei como professora auxiliar efetiva na Rede Municipal de Ensino de São José do Rio Pardo. Logo em meu ingresso, trabalhei na Fazenda Água Fria com período integral e projetos. Passei pela Emeb Zélia Maria Zanetti, Creche Júlio Possebon, Emeb Vinicio Spessotto e, hoje, sou professora auxiliar volante, substituindo em todas as escolas municipais da cidade, do berçário ao 5º ano, de acordo com a necessidade da secretaria municipal de educação. Posso afirmar que é uma experiência enriquecedora. Por onde passo, procuro dar a minha melhor aula, ensinar o que sei, aprender com eles e, é claro, sempre contando muitas histórias por aí.
Conte um pouco sobre a página “Dicas Pedagógicas”, que está sendo um marco na Educação Municipal. Quais os objetivos da mesma?
Devido à pandemia, nós, professoras auxiliares volantes da Rede Municipal, ficamos sem o contato diário presencial com as crianças também. Pensando nisso, o Departamento de Educação de nossa cidade elaborou essa maneira de estarmos perto dos alunos, de outros professores da Rede e dos demais funcionários da educação, criando a página Dicas pedagógicas. Nela, as nossas aulas são disponibilizadas semanalmente para que todos tenham acesso. A página tem materiais riquíssimos para complementar o trabalho realizado pelos professores que estão em sala, disponibilizando vídeos, sugestões de planos de aulas, dicas de cursos e até vídeos para auxiliar os professores a lidar com as ferramentas tecnológicas em tempo de pandemia. Em uma das minhas aulas, por exemplo, gravei um vídeo ensinando o professor a trabalhar com a ferramenta do PowerPoint, transformando-a em vídeo. Esta minha aula, hoje, conta com mais de 3900 visualizações, fora os compartilhamentos em grupos de Whatsapp. Ali são postados materiais de todos os professores da rede e, o mais interessante de tudo isso, é troca de recursos, ferramentas e materiais entre todos. Como sou apaixonada por histórias, toda semana disponibilizo aulas que partem sempre de uma história, Acredito que, através delas, as crianças são capazes de conhecer outros mundos, lidar com seus medos, inseguranças e ter sempre um final feliz. Precisamos acreditar que eles existem! Para a gravação das histórias, montei em minha casa um estúdio improvisado com cenário e conto com a ajuda de toda a família. Marcelo, meu marido, toca violão quando preciso. Anita e Miguel, meus filhos mais velhos, ajudam com as filmagens. Alice, minha caçula, participa das histórias. Integrando toda a família, fica mais fácil lidar com todas as angústias e inquietações que este momento de pandemia nos trouxe. Confesso que nos divertimos muito gravando e damos boas risadas. É muito bom ter a família por perto, nos apoiando quando fazemos aquilo que amamos.
Qual foi o momento mais marcante em todos esses anos de Magistério?
Todos os dias vivencio novas experiências e aprendizados e isso me marca, vai contribuindo para meu crescimento profissional e pessoal. Mas, citarei alguns aqui. Tive a oportunidade de ser professora da minha primeira turminha que acompanhei no colégio Unigrau por duas vezes. Como primeira professora, recebi muitos quem nem falavam ainda quando chegaram ao Unigrau. Tive a feliz surpresa de reencontrá-los no Jardim II, último ano da Educação Infantil, em 2010, iniciando o processo de alfabetização. Com essa turminha, vivi experiências que levarei para a vida toda. Foi nesta turminha, no dia da formatura, que fui surpreendida por um coral de mães, liderado, na época, pela Fernanda Biondo (mãe da aluna Helena, que chegou ao colégio de fralda, comendo papinha, kkk). As mães se reuniram, ensaiaram, gravaram em estúdio uma música e a apresentaram no final da cerimônia de formatura, ao vivo: “Ao mestre com carinho”. Até hoje me arrepio ao lembrar. Tenho o CD gravado, guardado aqui comigo. Essa turminha me marcou demais e foram muito especiais em minha vida. Foi um ano que desenvolvi muitos projetos e contei muito com a parceria da família. Como coordenadora, vivi um momento parecido com uma turminha de 5º Ano em 2018, desta vez, preparado pelos alunos. Pediram para me chamar na sala de aula e, lá, cantaram e me encantaram, fazendo uma linda homenagem de despedida, pois, no ano seguinte, estariam no ensino fundamental 2 e estavam encerrando o segmento no qual eu atuo, o fundamental 1. Na Rede Municipal, o fato de ter me efetivado foi marcante e muito feliz, pois muito almejei isso. Citei alguns, mas a cada projeto concluído, a cada aula dada com êxito, as lembranças se tornam marcantes para mim.
Mariana, o que é o melhor e o que é o pior no Magistério?
Hoje, penso que o “pior” do magistério é que ainda existem pessoas que não enxergam a importância da missão de ser professor e não reconhecem o trabalho que é realizado em sala de aula. Cito como exemplo, a situação das professoras auxiliares de nossa cidade, como eu, que não estão incluídas no quadro do magistério. Não temos um plano de carreira com outros professores municipais, apesar de atuarmos da mesma forma. O “melhor” do magistério é estar diariamente contribuindo para a formação de cidadãos críticos, sonhadores, íntegros e, consequentemente, estar trabalhando na busca de um mundo melhor. A educação tem este poder, ela pode mudar o mundo!
Você gostaria que um de seus filhos seguissem essa carreira. Por quê?
Filhos! Meu Deus! Como falar deles? Miguel, meu filho do meio, hoje com 11 anos, dizia que seria professor de matemática ou de geografia. Anita, minha filha mais velha, de 13 anos, não tem definido seu desejo profissional, mas nunca comentou em ser professora. Alice, 6 anos, afirma que quer ser veterinária. Sentiria muito orgulho se um deles seguisse a minha profissão. Porém, eles serão apoiados em qualquer decisão que tomarem. Nossos esforços, meu e do meu marido, são para que eles façam escolhas conscientes e sejam felizes na profissão que escolherem. Serão apoiados na área que escolherem.
Como está sendo para você esse ano atípico, longe das salas de aula? Qual foi o seu maior aprendizado da Pandemia com relação ao Magistério?
Toda mudança gera em nossas vidas certa insegurança e, às vezes, até medo. Com a chegada da pandemia, de forma tão abrupta, estes sentimentos estiveram, sim, presentes em minha vida. Hoje, sinto muita falta da interação com as crianças, de estar perto, de ter a troca de olhares, a troca de conhecimentos, de sentar em roda e contar uma boa história, de ouvir aquele “Prô…”, de estar fazendo o papel de mediadora do conhecimento presencialmente. Principalmente com as crianças menores, onde o conhecimento se dá por meio das interações, sem sombra de dúvidas, é do que mais sinto falta! Tento tirar de todo novo desafio o lado positivo. Aprendi a gravar e editar vídeos, a priorizar aquilo que é importante para nossos pequenos. Diante de toda esta situação que estamos vivendo, mais do que nunca, enxergo a importância da união e da participação das famílias nas atividades escolares da criança. É claro, que cada um exercendo seu papel. Mas, o que mais trago comigo é a certeza de que a Educação é o que faz a diferença. Ficou mais evidente ainda a importância da instituição escolar na vida da criança! Vejo como a Educação conseguiu se adaptar rapidamente para que o prejuízo aos nossos alunos fosse o menor possível. A educação é o caminho!!!
Para finalizar, Magistério é dom ou persistência? O que ele significa em sua vida?
Magistério é amor! É se doar a cada dia. É vibrar a cada conquista do aluno, mesmo que para os que estão de fora, pareça insignificante ou pequena. É criar possibilidades para a construção de novos conhecimentos, sentimentos. É estar em interação constante com os alunos, ensinando e aprendendo. É estar na busca constante por um mundo melhor! Em minha vida, o magistério é esperança, é a porta para novos caminhos e é a certeza de que podemos sempre fazer a diferença! Tenho orgulho em ser professora!