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Renascimento em família: Lígia doou o fígado para salvar a vida da filha Rafaela

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Cirurgia foi realizada há um ano, no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, através do Sistema Único de Saúde, sendo o Brasil referência nos transplantes realizados via saúde pública

Entrevista e texto: Natália Tiezzi

Muitas vezes o hospital pode significar um lugar que traz a vida ou o fim dela, mas, na história que o www.minhasaojose.com.br traz especialmente neste dia de Natal, ele significa renascimento para a família Rueda Kocian. E, além de retratar o renascer da mamãe Lígia e da filha Rafaela, a matéria também aborda a importância da doação de órgãos não apenas para salvar uma vida, mas para levar amor e esperança para quem luta para sobreviver.

Lígia Lopes Rueda Kocian é mãe da pequena Rafaela, que nasceu com uma doença rara chamada atresia de vias biliares. Embora tenha passado por vários tratamentos, os indicadores pioravam e o transplante de fígado foi necessário para salva-la.

“Como já sabíamos que devido a doença dela, em algum momento ela precisaria fazer o transplante, sabendo que meu tipo sanguínea era o mesmo que o dela, já trabalhava com  hipótese de ser a possível doadora”, disse Lígia.

Ao longo da entrevista, a mamãe contou detalhes do procedimento cirúrgico, que ocorreu há um ano e foi todo realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sendo o Brasil uma referência na realização de transplantes via saúde pública.

Lígia também falou sobre o importante apoio que recebeu da família em todo processo que antecedeu a cirurgia, o durante e pós cirúrgico e deixou uma mensagem de reflexão e incentivo à doação de órgãos. “A vida de uma pessoa pode estar nas suas mãos. Doe vida!”.

A sensação de ter doado um órgão é de gratidão por poder dar a vida duas vezes à minha filha Rafaela. Uma mãe já tem uma ligação muito forte com seu filho e nós fortalecemos ainda mais esse vínculo, disse Lígia

Confira, abaixo, a entrevista na íntegra.

Lígia, quando e como vocês souberam que Rafaela necessitaria de um transplante? Caso ela não recebesse corria risco de morte? Qual foi a reação de vocês diante dessa notícia?

Lígia Lopes Rueda Kocian: Rafaela nasceu com uma doença chamada atresia de vias biliares, que foi diagnosticada com três dias de vida. A médica, que se tornou grande amiga da família, Dra. Gilda Porta, hepatologista respeitada mundialmente, nos trouxe a notícia. “Rafaela tem uma doença rara e grave, mas que é possível solucionar”. Só conseguimos ouvir até a parte do rara e grave, um choque, nosso mundo caiu. O sonho da maternidade passou por essa grande turbulência. Aos 11 dias de vida ela fez sua primeira cirurgia para tentar “reconstruir” o canal biliar. A cirurgia foi um sucesso, mas sabíamos do risco da doença progredir e infelizmente ocorreu. Sete meses após, o fígado dela se desenvolveu, mas os canalículos intra-hepáticos não. A cada semana seus indicadores pioravam. Embora estivesse bem, novamente Dra. Gilda nos traz a notícia de que um transplante seria necessário, pois em pouco tempo ela correria risco de perder a vida. Nesse momento já estávamos mais preparados, mas mesmo assim não é uma notícia fácil de se ouvir.

Assim que souberam você já teve essa ideia de talvez poder doar seu fígado?

Como já sabíamos que devido a doença dela, em algum momento ela precisaria fazer o transplante, sabendo que meu tipo sanguínea era o mesmo que o dela, já trabalhava com  hipótese de ser a possível doadora. Com a progressão da doença e o diagnóstico que a única forma de salva-la seria o transplante, eu com o mesmo tipo sanguíneo poderia ser uma possível doadora e o pai, Rafael também por ter tipo sanguíneo considerado universal, porém a médica descartou a hipótese do pai doar devido a tratamento que o mesmo fazia para a tireoide. Foi então que imediatamente me coloquei como possível doadora e iniciamos os exames médicos e todo o processo que é feito para ser doador.

Como ocorre a verificação de compatibilidade?

Primeiramente o tipo sanguíneo e verificação de algumas doenças como diabetes, colesterol, pressão alta e tratamento com alguns tipos de medicamentos, como por exemplo Tapazol, para tireoide.  Tendo alguma dessas patologias, não é possível ser doador. Estando tudo certo, a pessoa é encaminhada para uma consulta com uma equipe médica que explica tudo sobre o transplante. Relatam como é feita a cirurgia, riscos, recuperação, cuidados pós transplante entre outras informações. A equipe médica também faz uma análise inicial, como verificação do peso do possível doador, para ver se esse esta adequado ou precisa ajustar o percentual de gordura. Após esse primeiro momento, se avaliação for positiva, a pessoa é encaminhada para fazer vários exames laboratoriais e de imagens. Também é necessária consulta com psicólogo para verificar se realmente a pessoa esta pronta para ser doadora e se compreende tudo que esta passando. É importante saber que todas as etapas, sendo consultas e exames são gratuitos, o doador não tem gasto nenhum.

Esperta, feliz e saudável: Rafaela tem uma vida normal após o transplante, sempre com acompanhamento médico

Quando e onde foi realizada a cirurgia?

A cirurgia foi realizada no dia 06 de Dezembro de 2019, no Hospital Sírio Libanês em São Paulo. É bom destacar que tudo através do SUS – Sistema Único de Saúde, gratuito e com tratamento digno e de muita qualidade. No Brasil os transplantes são feitos pelo sistema público, algo que temos que valorizar.

Após a cirurgia, você sentiu medo de o organismo dela rejeitar o órgão?

Senti medo mesmo antes da cirurgia, porque os médicos já haviam falado que mesmo com vários exames, existem algumas pessoas que possuem um tipo vaso sanguíneo que não podem ser retirados e isso só saberíamos após o ato cirúrgico, vendo de fato o meu fígado. Quando acordei da anestesia, foi a primeira coisa que perguntei, se havia dado certo. Fiquei com muito medo, mas, graças a Deus, tudo correu muito bem. Entretanto, a rejeição do órgão é comum, esperada pelos médicos e controlada com medicação.

Depois de quanto tempo é assegurado que realmente o transplante deu certo?

Assim que o Rafa, meu marido, chegou para ver a filha após o transplante já notou a diferença. Em duas horas sua cor mudou, seu aspecto era totalmente diferente. Foi o primeiro sinal de que tudo correu bem e que o fígado estava fazendo sua função. O cuidado passa a ser para controlar uma possível rejeição ao órgão. 

Lígia, qual foi o papel de sua família em todo esse processo de doação e transplante?

Nossa família foi fundamental nesse momento difícil. Cada um da sua maneira ajudou de alguma forma, foram muitas orações, mensagens e telefonemas expressando carinho e preocupação.  Familiares que estavam dispostos a serem doadores caso algo me impedisse. Os cuidados com o meu outro filho, Heitor, que passou uma semana aqui em São José e após o transplante foi levado para São Paulo para nos acompanhar. O acompanhamento no leito do hospital, entre tantas ajudas que tivemos. E além dos familiares, muitas pessoas incríveis nos auxiliaram como o casal Nilza e Egídio que nos acolheu em São Paulo, tornando os intermináveis dias de espera pela recuperação e alta fossem, de alguma forma mais tranquilos e leves. Somos eternamente gratos a essas pessoas.

Lígia, com Rafaela ao colo e o papai Rafael, com o Heitor ao colo: sempre unidos no antes, durante e depois da cirurgia de mãe e filha

Durante a hospitalização, vocês devem ter conhecido histórias de pessoas que também necessitavam de transplantes. Pode dividir alguma conosco?

Conhecemos muitas histórias, algumas com final feliz e outras infelizmente muito tristes. Podemos destacar uma história triste de uma criança que piorava a cada dia aguardando um transplante, já internada em UTI. A mãe e outros familiares não eram compatíveis e o pai não queria doar para não colocar a própria vida em risco. O jeito era aguardar algum doador com morte encefálica, mas nunca chegava. A cada dia o drama aumentava. Por outro lado, encontramos histórias inspiradoras, uma outra criança que aguardava transplante, também com estado clínico grave, nenhum familiar compatível ou com condição de saúde boa. A mãe divulgou na internet e uma pessoa do outro lado do estado viu e se prontificou a doar. Foi até São Paulo, fez os exames e eram compatíveis. Solicitou autorização judicial para doar (por lei, quando não há parentesco é preciso autorização de um juiz para ratificar que a doação é espontânea). Não bastasse isso, aceitou ser demitida do emprego para salvar a vida de um “estranho”. São histórias que nos fazem pensar no mundo que queremos e no mundo que não queremos. Doar órgãos é um gesto de amor. É a conexão mais profunda que pode existir entre dois seres humanos.

Como você descreveria a sensação de salvar a vida de sua filha?

A sensação é de gratidão por poder dar a vida duas vezes a minha filha Rafaela. Uma mãe já tem uma ligação muito forte com seu filho e nós fortalecemos ainda mais esse vínculo.

Para finalizar, que mensagem você deixaria às pessoas que ainda têm preconceito, são desinformadas com relação à doação de órgãos?

A vida de uma pessoa pode estar nas suas mãos. Doe vida! Você salva não só uma pessoa, salva também toda uma família e pessoas que amam essa pessoa que precisa do seu ato de amor. Se você puder ser doador em vida, fique tranquilo, tudo é muito seguro, não tem custo nenhum e sim, sua vida vai mudar, mas para melhor, essa atitude nos torna pessoas melhores. Após a constatação de morte encefálica a doação de órgãos e tecidos pode ocorrer se a família autorizar, para isso converse com seus familiares. O corpo do doador é preservado e pode ser velado normalmente.

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